1 – (PUC-MG) Responda à questão abaixo de acordo com o texto a seguir.
REDE
Gustavo Bernardo
O diário corresponde, na fala, à conversa, com os próprios botões. Mas não se pode conversar apenas com botões. Inclusive, aprende-se a falar pela observação dos outros, pelo interesse nos outros. A conversa consigo mesmo, da qual as crianças são mestras, indica claramente a presença da falta.
Um tanto paradoxal esta expressão: “presença da falta”. Porém, precisa. A falta que todo homem carrega consigo o tempo todo, tanto dos outros quanto daquele que ele podia ser mas ainda não é, se faz uma presença viva, perceptível no papo das crianças com seus amigos imaginários, no sonho dos adultos com seus desejos frustrados, na insônia dos apaixonados em suas camas de solteiro. A falta que todo homem carrega consigo o tempo todo é aquela que explica e dá sentido a boa parte dos seus atos e lapsos.
Eis a palavra, testemunhando a ausência e a falta. A falta depositada nos diários testemunha a falta do autoconhecimento e, é claro, a necessidade da auto-afirmação. Mas não nos falta apenas conhecer-nos. Falta-nos conhecer todos e tudo. Logo, não se escrevem única e exclusivamente diários. Escrevem-se bilhetes, cartas, artigos de jornal, livros e discursos públicos, a cada texto se marcando a presença de determinada falta.
Quando então o ato muda.
O diário afirma o indivíduo para si mesmo. Uma carta já o afirma para outro sujeito, e daí se tem de pensar neste outro no momento da escrita, uma vez que ele passou a fazer parte do ato. O outro, ao adentrar o espaço da comunicação, modifica radicalmente o texto: no visual, no estilo, na seqüência, nas informações.
Por sua vez, um artigo de jornal, ou um capítulo teórico como este, buscam bem mais de um outro só, buscam muitos outros leitores (quanto mais melhor). Todos estes outros, desejados e possíveis, invadem e transformam/transtornam a mensagem, e não poderia ser de outro modo. Tudo o que existe cobra a sua existência. Se existe um leitor, pelo simples fato de existir, ele estará cobrando seu espaço no texto, na carta – cobrando que a coisa se escreva de modo que ele entenda (ele, e talvez mais ninguém, pois por enquanto tratamos de uma carta), que ele sinta e possa responder. Da mesma maneira, se existem mil leitores, pelo simples e inusitado (no Brasil) fato de existirem, eles estarão cobrando seu espaço no artigo, no livro teórico, no romance – cobrando que a coisa se escreva de modo a que se entenda, e se sinta, e mexa por dentro, e cobrando que se diga algo que ainda não tenha sido dito, para valer a pena.
Por exemplo: não vou escrever este livro à moda de diário (ninguém deve estar muito interessado se tomei café com leite ou não de manhã cedo, nem se eu consegui acordar cedo). Também não vou escrevê-lo à moda de uma carta (o que eu sinto e penso de pessoas muito especiais não será da conta de outras tantas que eu quero ver lendo este livro). Entretanto, se eu souber bem que isto daqui é nem diário nem carta, posso, por breves parágrafos, fingir que estou falando comigo mesmo, ou fingir que estou falando com aquele leitor (leitora…) como se fosse o único (única). Será uma técnica esperta, e perfeitamente legítima, de romper a monotonia da teoria e fazer um carinho verbal no leitor (na leitora!). Em geral, o leitor ou leitora não devem ser os únicos (senão, este livro virou um best-seller às avessas). Mas, no momento em que lêem, são eles (vocês) unicamente que me lêem, e eu devo contar tanto com o geral, buscando ser claro e agradável a muitos, quanto com o particular, buscando ser fino e pessoal àquele e àquela (a você).
Portanto, a diferença de quantidade (no caso, de leitores) gera diferença na qualidade (no caso, no modo de dispor palavras e idéias). [….]
Atenção: uma teoria, uma dissertação, não é diametralmente oposta a um diário ou a uma carta. Ao contrário, traz consigo as funções do diário (autoconhecimento e auto-afirmação) e as funções da carta (procura de alguém, procura de ouvido, espelho e reflexo). Acrescenta-lhes outras na soma que transforma o texto. Escrever para o outro, ou para outros, continua representando o ato de afirmar-se, firmando no papel as próprias idéias. Além disso, implica considerar atentamente a existência alheia. E a consideração da existência alheia passa pelo esforço de facilitar o acesso geral às idéias próprias em questão.
Com licença: quem sabe, sabe se explicar. Todo mundo que escreve deve deixar para o leitor o esforço de pensar sobre o que leu, e não o sacrifício de adivinhar o que se queria ter dito – este é o ponto.
Enfatizo, no entanto, uma coisa: preocupar-se com o leitor representa preocupar-se com o seu entendimento preciso, mas não equivale a subordinar-se humilhantemente, não equivale a escrever apenas o que o outro quer ver escrito. Escritor e leitor não são o mesmo sujeito, são sujeitos diferentes e a diferença deve ser, além de respeitada, ainda defendida com unhas, dentes e verbos.
A necessidade da preocupação com o outro anda junto com a necessidade da auto-afirmação. As duas necessidades não se podem negar, sob pena de não se atender nem a uma nem à outra. O outro precisa de mim e eu preciso do outro, porque ambos precisamos da diferença. A diferença é o referencial único para sabermos que somos únicos, originais, e talvez especiais para alguém. O outro não precisa que eu fale o que ele quer ouvir, pois isto ele mesmo já se disse. Ele não precisa somente do seu espelho. Precisa, sim, muito de um reflexo – do reflexo inesperado que estabelece a diferença entre os diferentes. Precisa se reconhecer diferente, para acalmar a angústia daquela pergunta primeira: “quem sou eu?”. Quem se fala afirma a si mesmo no ato da fala e da escrita, firmando idéias e estilos pessoais, justinho para entregar ao outro o que o outro não tem – mas precisa demais.
Uma redação, assim, nunca é um produto acabado, pronto para ser entregue ao mestre e por este enquadrada no conceito devido (ou indevido). Antes, será redação: ação de tecer a rede dos acontecimentos e dos relacionamentos, guardando o acontecido na memória verbal das gerações, pescando o acontecível no extenso lago das faltas e ausências testemunhadas pelas palavras daqueles que falam e se falam.
(BERNARDO, Gustavo. Redação inquieta. Rio de Janeiro: Globo, 1991, p. 15-17)
Assinale a alternativa que apresente idéias verdadeiras sobre o texto:
a) O texto nos leva a crer que, no diário, o outro é o próprio autor; há, portanto, uma contradição entre o que se diz aí e a afirmação subseqüente de que “o outro, ao adentrar o espaço da comunicação, modifica radicalmente o texto”.
b) O autor de um texto, segundo Gustavo Bernardo, deve levar em conta o leitor ao elaborar sua produção escrita; é exatamente por esse motivo que se pode concluir que o leitor intervém já no momento da produção textual.
c) O raciocínio do autor de que o outro está presente na estrutura de qualquer texto que produzimos leva obrigatoriamente à conclusão de que a dificuldade de se escreverem artigos de jornais deve ser explicada pelo fato de que nos jornais há muitos outros aos quais o autor deve se dirigir.
d) Segundo o autor, os diários não são de interesse público porque tratam de assuntos banais, que dizem respeito às atividades cotidianas, enquanto as cartas não devem ser impressas em livros porque não teriam leitores interessados.
e) Embora a dissertação seja considerada pelo autor como o texto apropriado para que sejam veiculadas as teorias, essa guardaria com a carta e o diário algumas similaridades, pois todas as suas funções recobririam as características desses outros textos.
2 – (PUC-MG) Leia com atenção o primeiro significado atribuído ao verbo tomar no NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA.
Tomar. V. t. d. 1. Pegar ou segurar em; empunhar: A Nação tomou as armas em defesa de sua soberania; “Tomai as rédeas vós do Reino vosso.” (Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 18). |
I. Arlene tomou as moedas que estavam nas mãos de Carminha e entregou-as ao fiscal.
II. Chico tomou a sopa que o garçom havia colocado sobre o balcão e foi juntar-se aos outros.
III. Há dias em que meu cachorro toma-se de tristeza.
IV. Juca tomou rapidamente a receita que o médico havia prescrito e foi direto à farmácia.
V. Tão logo encontrou o marido, Jane lhe disse: “Toma, que o filho é teu”.
A substituição de tomar por pegar e segurar, simultaneamente, sem que haja possibilidade de mudança de sentido:
a) é possível em todos os períodos
b) não é possível em nenhum dos períodos
c) só é possível em I e V
d) só é possível em II
e) só é possível em IV
3 – (PUC-MG) A questão abaixo está relacionada ao romance hilda furacão, de ROBERTO DRUMMOND:
Todos os trechos, de Hilda Furacão, exemplificam a sobreposição do painel histórico-cultural à trama ficcional, EXCETO:
a) “A fotografia que Cocenza disparou na hora fez furor: mostrava-me, com uma calça preta e um paletó de linho branco, examinando os nordestinos em fila, a cerca do curral ao fundo – eu examinava suas mãos (…)”
b) “(…) como foi contado, deixei a Folha de Minas e fui trabalhar no semanário Binômio. No começo, quando Euro Arantes e José Maria Rabelo o fundaram, parecia uma brincadeira de estudantes (…)”
c) “Uma fila de caminhões do Exército carregando soldados seguia para a BR-3 em direção ao Rio de Janeiro; os boatos aumentaram no correr do dia, o Governador Magalhães Pinto colocou no ar a Rede da Liberdade (…)”
d) “Era o tempo da revolução jornalística, iniciada no Jornal do Brasil por Odylo Costa Filho, no Rio de Janeiro (…) A imprensa brasileira ganhava um mito: o copidesque do Jornal do Brasil (…)”
e) “Então, no que ia cantando e desfilando pela rua, foi seguido, primeiro pelas ovelhas negras das famílias: mães solteiras; candidatos a suicidas; um suicida arrependido (…) uns fantasiados, outros não, mas descobrindo que podiam ser alegres (…)”
4 – (PUC-MG) A questão abaixo está relacionada ao romance hilda furacão, de ROBERTO DRUMMOND:
A alternativa que justifica a coincidência entre as datas da saída de Hilda da Zona Boêmia e da ocupação militar de Belo Horizonte – 1o de abril – é:
a) a caracterização paródica do golpe militar, que o torna tão ficcional quanto a história de Hilda.
b) a confusão causada na memória do narrador, que soubera dos fatos apenas por ouvir contar.
c) a necessidade da prisão de Malthus, que assim faltaria ao encontro marcado com Hilda.
d) a necessidade de dar um tom dramático a um momento importante na vida da protagonista.
e) a previsão do futuro de Hilda Furacão feita pela vidente Madame Janete.
5 – (UFMG) Já não basta ficarem mexendo toda hora no valor e no nome do dinheiro? Nos juros, no crédito, nas alíquotas de importação, no câmbio, na Ufir e nas regras do imposto de renda? Já não basta mudarem as formas da Lua, as marés, a direção dos ventos e o mapa da Europa? E as regras das campanhas eleitorais, o ministério, o comprimento das saias, a largura das gravatas? Não basta os deputados mudarem de partido, homens virarem mulher, mulheres virarem homem e os economistas virarem lobisomem, quando saem do Banco Central e ingressam na banca privada?
Já não basta os prefeitos, como imperadores romanos, tentarem mudar o nome de avenidas cruciais, como a Vieira Souto, no Rio de Janeiro, ou se lançarem à aventura maluca de destruir largos pedaços da cidade para rasgar avenidas, como em São Paulo? Já não basta mudarem toda hora as teorias sobre o que engorda e o que emagrece? Não basta mudarem a capital federal, o número de estados, o número de municípios e até o nome do país, que já foi Estados Unidos do Brasil e depois virou República Federativa do Brasil?
Não, não basta. Lá vêm eles de novo, querendo mudar as regras de escrever o idioma. “Minha pátria é a língua portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa pela pena de um de seus heterônimos, Bernardo Soares, autor do Livro do Desassossego. Desassossegados estamos. Querem mexer na pátria. Quando mexem no modo de escrever o idioma, põem a mão num espaço íntimo e sagrado como a terra de onde se vem, o clima a que se acostumou, o pão que se come.
Aprovou-se recentemente no Senado mais uma reforma ortográfica da Língua Portuguesa. É a terceira nos últimos 52 anos, depois das de 1943 e 1971- muita reforma, para pouco tempo. Uma pessoa hoje com 60 anos aprendeu a escrever “idéa”, depois, em 1943, mudou para “idéia”, ficou feliz em 1971 porque “idéia” passou incólume, mas agora vai escrever “ideia”, sem acento.
Reformas ortográficas são quase sempre um exercício vão, por dois motivos. Primeiro, porque tentam banhar de lógica o que, por natureza, possui extensas zonas infensas à lógica, como é o caso de um idioma. Escreve-se “Egito”, e não “Egipto”, mas “egípcio”, e não “egício”, e daí? Escreve-se “muito”, mas em geral se fala “muinto”. Segundo, porque, quando as reformas se regem pela obsessão de fazer coincidir a fala com a escrita, como é o caso das reformas da Língua Portuguesa, estão correndo atrás do inalcançável. A pronúncia muda no tempo e no espaço. A flor que já foi “azálea” está virando “azaléa” e não se pode dizer que esteja errado o que todo o povo vem consagrando. “Poder” se pronuncia “poder” no Sul do Brasil e “puder” no Brasil do Nordeste. Querer que a grafia coincida sempre com a pronúncia é como correr atrás do arco-íris, e a comparação não é fortuita, pois uma língua é uma coisa bela, mutável e misteriosa como um arco-íris.
Acresce que a atual reforma, além de vã, é frívola. Sua justificativa é unificar as grafias do Português do Brasil e de Portugal. Ora, no meio do caminho percebeu-se que seria uma violência fazer um português escrever “fato” quando fala “facto”, ou “recepção” quando fala “receção”, da mesma forma como seria cruel fazer um brasileiro escrever “facto” ou “receção” (que ele só conhece, e bem, com dois ss, no sentido de inferno astral da economia). Deixou-se, então, que cada um continuasse a escrever como está acostumado, no que se fez bem, mas, se a reforma era para unificar e não unifica, para que então fazê-la? Unifica um pouco, responderão os defensores da reforma. Mas, se é só um pouco, o que adianta? Aliás, para que unificar? O último argumento dos propugnadores da reforma é que, afinal, ela é pequena – mexe com a grafia de 600, entre as cerca de 110.000 palavras da Língua Portuguesa, ou apenas 0,54% do total. Se é tão pequena, volta a pergunta: para que fazê-la?
Fala-se que a reforma simplifica o idioma e, assim, torna mais fácil seu ensino. Engano. A representação escrita da língua é um bem que percorre as gerações, passando de uma à outra, e será tão mais bem transmitida quanto mais estável for, ou, pelo menos, quanto menos interferências arbitrárias sofrer. Não se mexa assim na língua. O preço disso é banalizá-la como já fizeram com a moeda, no Brasil.
Roberto Pompeu de Toledo – Veja, 24.05.95.
Texto adaptado pela equipe de Língua Portuguesa da
COPEVE/UFMG.
Todas as alternativas contêm trechos que, no texto, apresentam imprecisão do agente da ação verbal, EXCETO
a) Já não basta os prefeitos, como imperadores, tentarem mudar o nome de avenidas cruciais (…)?
b) Já não basta mudarem toda hora as teorias sobre o que engorda e o que emagrece?
c) Lá vêm eles de novo, querendo mudar as regras de escrever o idioma.
d) Já não basta ficarem mexendo toda hora no valor e no nome do dinheiro?
6 – (PUC-PR) “Da mesma forma que um adulto só sabe que tem colesterol alto depois de um exame de sangue, uma criança que tem miopia ou astigmatismo só vai descobrir que enxerga mal depois de um exame oftalmológico.” (Veja, 26/08/1998).
Atente para estas cinco formulações da frase acima e depois responda:
I – Se um adulto só sabe que tem colesterol alto depois de um exame de sangue, uma criança que tem miopia ou astigmatismo só vai descobrir que enxerga mal depois de um exame oftalmológico.
II – Assim como um adulto só sabe que tem colesterol alto depois de um exame de sangue, uma criança que tem miopia ou astigmatismo só vai descobrir que enxerga mal depois de um exame oftalmológico.
III – Do mesmo modo que um adulto só sabe que tem colesterol alto depois de um exame de sangue, uma criança que tem miopia ou astigmatismo só vai descobrir que enxerga mal depois de um exame oftalmológico.
IV – Já que um adulto só sabe que tem colesterol alto depois de um exame de sangue, uma criança que tem miopia ou astigmatismo só vai descobrir que enxerga mal depois de um exame oftalmológico.
V – Embora um adulto só saiba que tem colesterol alto depois de um exame de sangue, uma criança que tem miopia ou astigmatismo só vai descobrir que enxerga mal depois de um exame oftalmológico.
Quais as formulações que têm o mesmo sentido que o da frase da Veja?
a) Apenas I, II e III.
b) Apenas II e III.
c) Apenas III, IV e V.
d) Apenas I, II, III e IV.
e) Todas.
7 – (UFPA) A matéria se apresenta sob forma de cerca de 200 bilhões de estrelas em nossa galáxia, a Via-Láctea. Uns 65 bilhões dessas estrelas podem ter planetas girando ao seu redor, como acontece no Sistema Solar. Podem alguns desses distantes planetas apresentar alguma forma de vida? Até o momento nada se sabe a respeito. Não se sabe se em algum outro lugar do Universo a matéria existente originou formas de organismos vivos, como aconteceu em nosso planeta. Hoje, vários cientistas buscam algum sinal de vida extraterrestre. Para isso, procuram em diversos pontos da Via-Láctea planetas que apresentem condições físicas e químicas semelhantes às encontradas aqui na Terra: temperatura, pressão, composição química da atmosfera, do solo, etc.
(BARROS, Carlos e PAULINO, Wilson Roberto. Física
e
Química. São Paulo: Ática, 1997)
No texto 1, acima, os segmentos que promovem a sequenciação textual, relacionando coesivamente uma idéia com outra anteriormente expressa, são:
a) Uns 65 bilhões dessas estrelas; alguns desses distantes planetas; algum outro lugar do Universo; isso.
b) Uns 65 bilhões dessas estrelas; alguns desses distantes planetas; a respeito; para isso.
c) Via-Láctea; planetas girando ao seu redor; Sistema Solar; Terra.
d) Uns 65 bilhões dessas estrelas; Sistema Solar; alguns desses distantes planetas; em nosso planeta.
e) Via-Láctea; até o momento; hoje; diversos pontos da Via-Láctea.
8 – (UFPB) Um dia, o Simão me chamou: – “Vem ver. Olha ali”. Era uma mulher, atarracada, descalçada, que subia o caminho do morro. (Diante do Sanatorinho havia um morro. Os doentes em bom estado podiam ir até lá em cima, pela manhã e à tarde.) Lembro-me de que, de repente, a mulher parou e acenou para o Sanatorinho. Não sei quantas janelas retribuíram. E o curioso é que, desde o primeiro momento, Simão saltou: – “É minha! Vi primeiro!”.
Uns oitenta doentes tinham visto, ao mesmo tempo. Mas o Simão era um assassino. Como ele próprio dizia, sem ódio, quase com ternura, “matei um”. E o crime pretérito intimidava os demais. Constava que trouxera, na mala, com a escova de dentes, as chinelas, um revólver. Naquela mesma tarde, foi para a cerca, esperar a volta da fulana. E conversaram na porteira. Simão voltou, desatinado. Conversara a fulana. Queria um encontro, na manhã seguinte, no alto do morro.
A outra não prometera nada. Ia ver, ia ver. Simão estava possesso: – “Dez anos!”, e repetia, quase chorando: – “Dez anos não são dez dias!”. Campos do Jordão estava cheio de casos parecidos. Nada mais cruel do que a cronicidade de certas formas de tuberculose. Eu conheci vários que haviam completado, lá na montanha, um quarto de século. E o próprio Simão falava dos dez anos como se fosse esta a idade do seu desejo.
Na manhã seguinte, foi o primeiro a acordar. (…) Havia uma tosse da madrugada e uma tosse da manhã. Eu me lembro daquele dia. Nunca se tossiu tanto. Sujeitos se torciam e retorciam asfixiados. E, súbito, a tosse parou. Todo o Sanatorinho sabia que, no alto do morro, o Simão ia ver a tal mulher do riso desdentado. E justamente ela estava subindo a ladeira. Como na véspera, deu adeus; e todas as janelas e varandas retribuíram. Uma hora depois, volta o Simão. Foi cercado, envolvido: – “Que tal?”. Tinha uma luz forte no olhar: – “Tem amanhã outra vez”. Durante todo o dia, ele quase não saiu da cama: – sonhava. Às seis, seis e pouco, um médico entra na enfermaria. Falou pra todos: – “Vocês não se metam com essa mulher que anda por aí, uma baixa. Passou, hoje de manhã, subiu a ladeira. É leprosa”. Ninguém disse nada. O próprio Simão ficou, no seu canto, uns dez minutos, quieto. Depois, levantou-se. No meio da enfermaria, como se desafiasse os outros, disse duas vezes: – “Eu não me arrependo, eu não me arrependo”.
(RODRIGUES, Nelson. A menina sem estrela. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 132-3.)
A propósito do fragmento seguinte: “A outra não prometera nada. Ia ver, ia ver.”, afirma-se que a repetição da locução verbal :
I. é um traço coloquial do discurso.
II. introduz discurso indireto livre.
III. ressalta a onisciência do narrador.
Das afirmações acima, está(ão) correta(s)
a) apenas I.
b) apenas II.
c) I e II.
d) I e III.
e) II e III.
9 – (PUC-MG) As práticas escolares de leitura
Na escola, tal como a conhecemos, a leitura de textos nunca deixou de estar presente, em qualquer das disciplinas que nela se ministram (técnicas ou não). Mas é no interior daquela disciplina que teria a própria leitura como seu objeto de estudos (as aulas de língua e literatura) que esta prática é mais surpreendente. Nas aulas de português, a presença da leitura tem tido um objetivo muito particular: o da transformação do texto que se lê em modelo, isto por diferentes caminhos:
a) O texto transformado em objeto de uma leitura vozeada (ou da oralização do texto escrito), em que se lê para “provar” que se sabe ler. Recomendava-se, em geral, que o próprio professor fizesse uma leitura em voz alta do texto, e depois solicitasse que seus alunos lessem o texto: aluno por aluno (às vezes sadicamente, aquele aluno que o professor percebe estar com a alma vagando longe da sala de aula) vão lendo partes do texto. Lê melhor aquele que melhor se aproxima do modelo de leitura dado: a leitura do professor. Evidentemente, trata-se hoje de uma prática felizmente já ausente das aulas contemporâneas;
b) O texto transformado em objeto de uma imitação. A leitura nada mais é do que a motivação para a produção de outros textos pelo aluno. Com ela, dois resultados podem ser perseguidos: ou que o aluno escreva outro texto tratando do mesmo tema (ainda que tal tema lhe seja distante) ou que o aluno tome o texto como modelo formal para escrever, sobre outro tema, mas na forma do texto lido (e os alunos então escrevem poesias, crônicas, contos, fábulas, etc., sempre de acordo com o modelo a ser seguido);
c) O texto transformado em objeto de uma fixação de sentidos. Os sentidos que o professor ou algum outro leitor privilegiado tenha dado ao texto passam a ser os sentidos do texto. Ao aluno, em sua leitura do texto, cabe descobrir tais sentidos previamente definidos. Lê melhor quem mais se aproximar dos sentidos que já se atribuíram ao texto. Não se trata de o aluno (leitor) construir sentidos do texto a partir das pistas que este lhe fornece associadas à experiência vivida por ele próprio, mas se trata de o aluno “redescobrir” a leitura desejada, num exercício de adivinhações que não mobiliza a história de vida do leitor (que inclui também outras leituras), mas mobiliza apenas sua experiência escolar, que sempre lhe disse que deve “aproximar-se” do já dado para melhor se safar da tarefa.
Em resumo, estes três tipos de práticas não respondem a qualquer interesse do próprio leitor: são exercícios de leitura cujos objetivos são para ele incompreensíveis. Afinal, para que aprender a ler em voz alta, se pretendo ser torneiro mecânico, eletricista, projetista, ou o que seja? Para que escrever sobre este tema, se sobre ele já escreveu o autor que acabo de ler e nada tenho de diferente para dizer? Para que aprender a escrever poesias, crônicas, contos, se não farei nada disso depois? Para que ler o texto que estou lendo, se não houvesse estas perguntas de interpretação que tenho que responder para me ver “aprovado” em português?
Não se trata de leituras de sujeitos que, querendo aprender, vão em busca de textos e, cheios de perguntas próprias, sobre eles se debruçam em busca de respostas. O que poderia ser uma oportunidade de encontros de sujeitos torna-se um meio de estimular operações mentais (especialmente da memória), e não um meio de, operando mentalmente, produzir sentidos e, conseqüentemente, construir categorias de compreensão da realidade vivida a partir das informações e opiniões dadas pelo autor do texto lido.
GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado de Letras – ALB, 1996, p. 118-120.
Em todos os trechos a seguir, retirados do texto lido, o autor revela aspectos desejáveis para a prática da leitura na escola, EXCETO:
a) Não se trata de o aluno (leitor) construir sentidos do texto a partir das pistas que este lhe fornece associadas à experiência vivida por ele próprio.
b) O que poderia ser uma oportunidade de encontro de sujeitos
c) Não se trata de leituras de sujeitos que, querendo aprender, vão em busca de textos e, cheios de perguntas próprias, sobre eles se debruçam em busca de respostas.
d) e não um meio de, operando mentalmente, produzir sentidos e, conseqüentemente, construir categorias de compreensão da realidade vivida a partir das informações e opiniões dadas pelo autor do texto lido.
e) Lê melhor quem mais se aproximar dos sentidos que já se atribuíram ao texto.
10 – (UFPA) O texto Tecendo a Manhã de João Cabral de Melo Netto, já nos seus primeiros versos refere:
Um galo sozinho não tece a manhã:
Ele precisará sempre de outros galos…
Tais versos
a) remetem para a tendência ruralista nordestina que aparece na sua poesia
b) sugerem-nos que o poeta se preocupa com a utilidade prática dos animais
c) procuram despir a poesia de processos pomposos, anunciando a tendência para enfatizar a vida comunitária, marca de seus versos
d) trazem a presença do Natal e toda sua simbologia o que é suficiente para registrar a religiosidade de seu autor
e) sugerem o resgate que João Cabral faz da fantasia, colocando-a como ponto fundamental do fazer poético
Gabarito:
1-b 2-b 3-e 4-a 5-a 6-b 7-b 8-c 9-e 10-c
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